quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Devaneio

Ele aproximou-se da praia, um passo de cada vez. O cheiro salgado das ondas do mar fez com que suas narinas se dilatassem involuntariamente. Era um cheiro um pouco incômodo para seu olfato, mas estranhamente nostálgico. Sentou-se na areia fina e pálida, como fazia na infância, e olhou para o horizonte.
Milhões de luzes minúsculas piscavam do outro lado da baía, cada uma com sua cor e formato particulares, fazendo-o pensar que cada uma daqueles milhões de pontos luminosos anunciava um edifício ou construção diferente. O reflexo das luzes nas águas do mar retorcia-se lentamente, como se estivesse tentando mover-se em sua direção. Ele inspirou fundo, enchendo seus pulmões com o ar noturno e gelado, numa sensação de frio e tranquilidade. Cada brisa que passava por seu rosto carregava consigo grãos de areia e sal que tocavam sua pele com força o suficiente apenas para lembrá-lo que ele ainda podia sentir até mesmo as coisas que não conseguia enxergar.
Tornou seu olhar para o céu, e reparou que ele estava completamente coberto. Não conseguiu ver estrela alguma, e até mesmo a Lua parecia tímida, escondida atrás da luminosidade da cidade. Ele amaldiçoou aquela cidade estrelada, que o impedia de ver os verdadeiros astros, mas não conseguia sentir raiva dela pois também apreciava muito a sua beleza. Ali ele permaneceu sentado, por mais ou menos trinta minutos, pensando em algum jeito de resolver o dilema das estrelas, inspirando fundo e expirando o ar úmido e ao mesmo tempo seco por carregar tanto sal.
Ao lembrar que a manhã começaria a aproximar-se em pouco tempo, se levantou, livrando-se da areia que se alojara em sua calça sem permissão com pequenos tapas. Dirigiu-se até a rua de paralelepípedos, que mais lhe pareceram barras de ouro por estarem refletindo as luzes amareladas dos postes, e pôs-se a andar até sua casa. Já estava muito tarde, e o amanhã viria de qualquer forma. Que ele ao menos estivesse descansado quando tivesse que encarar sua jornada, ele pensou, e despediu-se da praia e das estrelas, tanto as do céu quanto as da Terra, com um curto, porém pesado, suspiro.